Amamentação - Parte II

(Continuamos à conversa com a Filipa)

Sim é verdade. O leite mais aguado no inicio e mais gordo no final foi uma das informações que me foram passadas nas aulas de preparação para o parto.

Essa informação não é totalmente errada, mas a forma como se transmite, é. Dá-se a ideia de que a mama produz um leite com água para saciar a sede do bebé e que produz outro tipo de leite que, sim, esse é bom e engorda. E é isto que não é, de todo, verdade - porque as mamas não funcionam assim nem a produção de leite, e quem estuda como funciona a produção de leite sabe isso.
O aumento de peso adequado do bebé não vem daí, vem de mamar o suficiente em termos de quantidade. Os estudos que existem mostram que os bebés tomam a mesma quantidade de gordura ao longo de 24h e que o número de mamadas em nada interfere nisso.

Referências:
Longitudinal changes in breastfeeding patterns from 1 to 6 months of lactation. 2013. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23560450


Volume and frequency of breastfeedings and fat content of breast milk throughout the day. 2006. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16510619


Ainda na sala de partos e sem conseguir que o Simão pegasse na minha mama, foi-me dito que fossemos comprar mamilos de silicone para o conseguir amamentar. O que tens a dizer sobre o assunto? Devemos ceder e usar os mamilos de silicone ou muito pelo contrário? Quais são os malefícios do uso dos mamilos de silicone?

É muito comum isso acontecer - dizerem para usar logo a partir da primeira mamada ou nos primeiros dias - e é um dos motivos mais comuns para nos contactarem. As mães querem amamentar sem barreiras. A introdução dos mamilos de silicone nas maternidades, na grande maioria dos casos, é feita de forma incorreta e sem indicação clínica. Seja porque não há tempo para apoiar aquela mãe e aquele bebé ou porque a pessoa que deve apoiar não o sabe fazer.

Quando é feito dessa forma, os mamilos de silicone podem pôr seriamente em causa a amamentação. Quando são as mães a introduzir porque têm dor e feridas e não aguentam mais, eu percebo-as perfeitamente. Mas, se sentem que precisam de uns, assim que possível, contactem alguém para vos apoiar e poderem retirá-los!

Existem alguns casos que até somos nós a sugerir o mamilo de silicone como medida temporária. Por exemplo, bebés em relactação, que já só conhecem o biberão há dias ou semanas, ou que já pouco mamam. Também existem casos de bebés com freio curto que, até ser resolvido, beneficiam de um mamilo de silicone. Essas situações são sempre apoiadas de perto para garantir que o bebé ingere leite suficiente, que abocanha o suficiente a mama - com os mamilos de silicone os bebés têm de mamar como se mamassem sem eles, e muitas mães não sabem disto - e que se consegue retira-los rapidamente.

Pois comigo foi exactamente isso que aconteceu. O Simão não pegou na mama no bloco de partos. Nunca ninguém me explicou como os usar e já na obstetrícia a enfermeira de apoio era mais nova que eu e via-se perfeitamente que não percebia nada do assunto. Aliás como ele mal mamava até o levaram para medir a glicémia e já me tinham preparado para ter de introduzir logo LA.

Pois... a vossa história é semelhante à de muitas mães que já acompanhei. O grande problema dos mamilos silicone - especialmente quando usados sem que as mães saibam como colocar corretamente, qual o tamanho adequado à sua mama e bebé e sem acompanhamento para garantir que o bebé mama o suficiente - é a ingestão insuficiente de leite.
Alguns bebés estão, na realidade, a usar o mamilo silicone como se fosse uma tetina de biberão: só bebem o leite que sai da mama para a tetina, por ação do reflexo de ejeção de leite da mãe. Quando o reflexo termina, não conseguem ingerir mais leite e claro que isso não é viável para crescer. Quando se retiram os mamilos silicone todos os bebés começam a mamar mais rápido - e não é por acaso.

Após tentar visualizar tudo o que aconteceu depois do nascimento do Simão, acho que não prestei atenção a muitos dos sinais dados pelo meu bebé. Podes tentar explicar-nos quais são os sinais que o nosso bebé nos dá de que tem fome e que deseja mamar JÁ?

Num bebé recém nascido e até cerca das 8 semanas, os sinais costumam ser muito evidentes. A dificuldade das mães, pais e outros familiares em reconhecê-los tem a ver com o facto de na sociedade onde vivemos não valorizarmos a linguagem dos bebés. Fala-se do choro como linguagem, mas o choro, na realidade, é a "sirene dos bombeiros".

O facto de, na maioria dos casos, só se ter contacto, verdadeiramente, com um bebé recém-nascido quando se é mãe e/ou pai, também não ajuda a saber ouvi-los.

Um bebé quando quer mamar mexe-se, roda a cabeça de um lado para o outro, abre a boca, lambe os lábios, põe a língua de fora, leva as mãos à boca, se estiver no colo, na vertical, faz movimentos como se fosse um "pica pau".
Estes sinais, na realidade, são a busca do bebé pela mama e é comum surgirem quando o bebé ainda parece estar a dormir. Biologicamente, os bebés recém-nascidos não estão preparados para despertar totalmente entre ciclos de sono. Estes ciclos duram aproximadamente 1 hora e é suposto que consigam encontrar a mama e mamem imediatamente, ainda meio a dormir, e que continuem a dormir depois de ingerir algum leite. O problema é que as mães e os bebés passam muito tempo afastados e isso obriga a que os bebés chorem, e que tomem quantidades maiores de leite de cada vez - e depois surgem as cólicas.




O Simão adormecia pouco tempo depois começar a mamar. O que podemos fazer para que isso não aconteça?

Isso dava um grande texto, aliás, já deu no Blog Amamenta Porto, aqui: http://porto.amamenta.net/o-meu-bebe-adormece-a-mamar/ Mas vou tentar responder sucintamente.
Primeiro, é preciso fazer aqui um apontamento muito importante porque, por vezes, e admito que eu também posso incorrer nesse erro, podemos dar a entender que adormecer na mama é mau. E não tem de ser.

A minha preocupação e de outros profissionais com um bebé que adormece muito a mamar é somente que ele possa estar a mamar ineficazmente. Se temos a certeza de que mama o suficiente e adormece, não existe problema algum em adormecer na mama. É perfeitamente normal e saudável. Os bebés que têm uma maior necessidade disso são os mais novos.
Alguns bebés com dificuldades em mamar adormecem sem ter mamado o suficiente porque se cansam mais do que o normal, e é com isso que nos devemos preocupar. Perceber  o porquê de um bebé não mamar o suficiente é importante – e um bebé só não mama o suficiente quando não aumenta o suficiente de peso e tem indicadores de não ficar satisfeito. Um bebé que aumenta bem de peso, com certeza, está a mamar o suficiente!

Então apenas nos devemos preocupar quando o crescimento do peso não está a ser o que é suposto?

Sim.

E o que devemos fazer se o crescimento não estiver a ser o suposto?

Procurar apoio para perceber o que se passa porque existe sempre uma causa. As mães acham sempre que o problema é delas, que não têm leite suficiente… Mas é mais frequente que a dificuldade seja do bebé ou de mamadas pouco frequentes. Algumas mães têm dificuldade em perceber o que é a livre-demanda (LD) e pensam que o bebé pode ter cólicas ou outro motivo para estar mais inquieto ou chorar e só oferecem a mama em último caso.

Num bebé de poucas semanas a mama tem sempre ser a primeira opção. Não existe isso de fazer mal porque pode não ser fome. Se não for fome, e o bebé mamar, não lhe faz mal nenhum. Todo o leite que o bebé ingere, sendo leite materno, só lhe faz bem! Os bebés amamentados conseguem regular muito bem as calorias que ingerem e, por isso, não há o perigo de mamarem demasiado.

(Continua no próximo post)

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